FORNOS A ARCO SUBMERSO - PARÂMETROS IDEAIS DE OPERAÇÃO

A FÓRMULA "I = C3 . P2/3" ESTÁ EQUIVOCADA


Luis R. Jaccard

RESUMO

Durante os anos 2005 e 2006 realizamos experiências em fornos a arco submerso visando definir a correlação entre a geometria do forno e os parâmetros ideais de operação ( V e I ). Os resultados das experiências confirmaram em grande parte as pesquisas de Andreae, Morkramer, Kelly e muitos outros que, a partir de 1923, estudaram o assunto e concluíram que os valores de tensão e corrente que promovem a operação mais eficiente dos fornos estão relacionados com o diâmetro da ponta dos eletrodos. Por outro lado, comprovamos que as relações empíricas apresentadas em 1975 por J. Westly não correspondem à realidade. De acordo com Westly, a tensão e a corrente ideais seriam proporcionais à potência ativa e independentes do diâmetro dos eletrodos ( V = P1/3 / C3 e I = C3 . P2/3 são as muito aplicadas relações encontradas por Westly ).

Para uma determinada distância entre centros de eletrodos encontramos que a tensão eletrodo-soleira ideal é diretamente proporcional ao diâmetro dos eletrodos e inversamente proporcional à raiz quarta da potência ativa: V = J0 . D / P1/4, onde J0 é um fator que depende do tipo de material processado e do afastamento entre eletrodos. Adicionalmente, foi deduzido que, dentro de um certo entorno, a tensão ideal aumenta proporcionalmente com a raiz quadrada da separação entre eletrodos. A fórmula final encontrada é: V = J1 . D . S1/2 / P1/4 , na qual S é a distância entre centros de eletrodos. Isto é: a tensão e a corrente ideais, para cada material processado, dependem da potência, do diâmetro dos eletrodos e do afastamento entre eletrodos.

INTRODUÇÃO

Posição ideal do eletrodo

Contrariamente aos fornos a arco direto, utilizados para produção de aço, nos quais a posição do eletrodo em relação à carga metálica não tem praticamente nenhum efeito sobre o consumo de energia, nem sobre a produtividade, nos fornos de redução de alguns tipos de minérios a posição correta da ponta do eletrodo é fundamental para obter os mínimos consumos de energia e a máxima produtividade. No caso da produção de estanho através da redução da cassiterita e no da produção de ferro silício 75 %, que são os dois casos abordados neste trabalho, se verifica que um pequeno deslocamento vertical do eletrodo, em relação à carga de carvão e minério, provocado por uma variação de apenas 2 a 3 Volts sobre o valor ideal, pode ocasionar aumentos muito significativos do consumo específico de energia, com a conseqüente perda de produtividade. Para os fornos de FeSi outro efeito da operação com o eletrodo fora de posição é o aumento dos depósitos de SiC na soleira.

Estudos e experiências para definição da posição ideal do eletrodo, desde 1923 até 1970 - Andreae, Morkramer, Kelly e Persson - Conceito de densidade de potência na carga

É interessante saber que já em 1923 as bases para o entendimento da questão da posição ideal do eletrodo estavam sendo formuladas. Nesse ano, F.V. Andreae desenvolvia o conceito da resistência periférica, que seria aprimorado nos anos seguintes, até a publicação na A.I.E.E., em 1950. Andreae estabeleceu que, para cada produto, existe uma posição ideal do eletrodo, em relação à carga, que depende do diâmetro do eletrodo e da resistência da carga entre a ponta do eletrodo e a soleira. Este conceito foi expressado através da fórmula k = ( V / I ) . p . D, na qual k é a resistência periférica do eletrodo, V é a tensão eletrodo - soleira, I é a corrente e D é o diâmetro do eletrodo. Para cada material existiria um valor de k que definiria a posição ideal do eletrodo.

Muitos outros pesquisadores estudaram a questão da posição ideal do eletrodo. Entre eles pode ser mencionado Morkramer que utilizou o conceito de densidade de potência ( também aplicado por Andreae ). De acordo com esse conceito, a temperatura da carga na vizinhança da ponta do eletrodo varia em função da densidade de potência "pd" transmitida à carga pelo eletrodo, definindo pd como a relação entre a potência ativa e a seção do eletrodo ( em, por exemplo, kW / pol2 ou kW / cm2 ) - em um forno com três eletrodos que opera com uma potência de 15.000 kW e eletrodos com diâmetro de 45 polegadas ( 1143 mm ), a densidade de potência seria de 15.000 kW / ( 3 . p . 452 / 4 ) = 3,14 kW / pol2 ( 20,25 kW / cm2). Segundo este princípio, a temperatura da carga é incrementada nas proximidades do eletrodo para aumentar a taxa de transferência de energia e, depois, o calor se dissipa a certa distância do eletrodo, onde prevalece a temperatura resultante das reações. Quanto maior é a densidade de potência, maior é a temperatura da carga nas proximidades do eletrodo e, portanto, menor é a resistividade da carga, concluindo-se que o fator k ( que na realidade representa a resistividade r da carga, conforme definiu Morkramer ) diminui a medida que a densidade de potência aumenta. Portanto, "k" é inversamente proporcional à densidade de potência "pd", na ponta do eletrodo ( esta definição de densidade de potência não deve ser confundida com outra mais comum na atualidade, aplicada principalmente a fornos que operam com eletrodos imersos na escória, que considera a potência específica referida à seção do forno ).

A partir do inicio dos anos 40, W. M. Kelly, após consulta com Andreae, baseado em um acúmulo de dados práticos, aplicou o conceito da resistência periférica e da sua variação com a densidade de potência a uma série de fornos de ferro - ligas, representando o fator k em função da densidade de potência pd, para cada tipo de material.

Na figura a seguir está representado o gráfico encontrado por Kelly para produção de FeSi75. A partir deste gráfico, para cada valor de potência e de diâmetro de eletrodos é possível encontrar o valor de k e calcular a tensão e a corrente ideais.

Fator K para FeSi75

A metodologia de dimensionamento do forno com base no fator k é complicada,principalmente pelo fato do diâmetro do eletrodo aparecer tanto nas ordenadas como nas abscissas do gráfico. Essa dificuldade na aplicação do fator k foi constatada por J. A. Persson que nos seus esclarecedores trabalhos técnicos analisa as teorias de seus predecessores e, baseado em uma simples relação aritmética, presume que os gráficos que representam o fator k em função da densidade de potência poderiam ser hipérboles, e não retas ( como as encontradas por Kelly ), o que levaria a concluir que para cada produto existiria apenas uma tensão ideal que seria proporcional ao diâmetro do eletrodo: Videal a D1/2 ( na realidade, conforme verificamos após as experiências, a tensão ideal depende de ambos, diâmetro e potência, e os gráficos de Kelly precisam ser ligeiramente corrigidos, passando de retas a hipérboles, porém com curvatura diferente à prevista por Persson ).

Parâmetros críticos para definição da posição ideal após Westly ( 1975 )

Em 1975, J. Westly, da empresa Elkem, apresentou um trabalho no qual foram colocados em dúvida os conceitos desenvolvidos por todos os anteriores autores. De acordo com os resultados empíricos de Westly, a posição ideal do eletrodo não teria qualquer relação com o diâmetro dos eletrodos. Após as suas conclusões, o próprio Westly se pergunta onde foi parar o conceito de Andreae. Conforme Westly, a melhor relação empírica para definição da operação ideal seria: k2 . i = cte. Na qual i é densidade de corrente e k é o fator de Andreae. Dessa expressão ele deduziu as seguintes relações: I a P2/3 e V a P1/3 ( Westly chamou de C3 ao fator I / P2/3 ). Assim, os valores ideais de tensão e de corrente dependeriam apenas da potência ativa. Se as observações de Westly fossem verdadeiras, o diâmetro do eletrodo não teria nenhum efeito sobre a posição ideal do eletrodo e poderia ser escolhido exclusivamente pela sua capacidade de condução de corrente.

EXPERIÊNCIAS EM FORNOS DE REDUÇÃO DE CASSITERITA

No Brasil existem dezenas de pequenos fornos para produção de estanho. Trata-se, em geral, de fornos bifásicos, retangulares, com dois eletrodos e transformadores tipo Scott. A potência dos fornos, salvo rara exceção, varia entre 150 kVA e 1250 kVA. O diâmetro dos eletrodos varia entre 200 mm e 600 mm. A carga fria consiste em carvão e minério que formam uma camada flutuante sobre a escória. A ponta do eletrodo deve estar inserida nesta camada numa posição não demasiado profunda, nem demasiado superficial, para conseguir os resultados ótimos. Entre 1990 e 1992 tivemos, pela primeira vez, a oportunidade de trabalhar com este tipo de fornos e, através de modificações nas tensões, correntes e diâmetros de eletrodos, conseguimos obter boas melhoras nos consumos de energia e na produtividade. As modificações que foram executadas nesse período se basearam no princípio da tensão ideal dependente do diâmetro dos eletrodos ( Persson ). Já havíamos tomado contato com o trabalho de J. Westly , mas as fortes críticas de J.A. Persson na oportunidade das discussões que se seguiram à apresentação desse trabalho e o fato de parecer que Westly havia concordado em parte com essas críticas, que se referiam ao efeito da densidade de potência, nos levaram a acreditar, nesse momento, que os critérios estabelecidos por Westly não eram válidos. Posteriormente, quando tivemos a oportunidade de realizar alguns serviços de consultoria em fornos de FeSi75 e, também como conseqüência da leitura de trabalhos técnicos publicados no Brasil e no exterior, verificamos que a fórmula de Westly ( I = C3 . P2/3 ) era a aplicada e considerada como verdadeira pela maioria dos operadores e projetistas de fornos, não apenas no Brasil, mas também em outros países.

Por esse motivo, em 2005, quando tivemos uma nova oportunidade de realizar modificações em fornos de redução de cassiterita aproveitamos para examinar os resultados à luz dos diferentes conceitos, tentando definir qual é o verdadeiro. Ao mesmo tempo, verificamos a necessidade de quantificar o efeito do afastamento entre eletrodos ( S = distância centro a centro ).

CONCLUSÕES

As experiências comprovaram que, contrariamente ao previsto pela fórmula empírica de J. Westly ( V = P1/3 / C3 ), a tensão eletrodo - soleira ideal guarda uma proporcionalidade inversa com a potência. Conseqüentemente, para manter a posição ideal do eletrodo após um aumento de potência, a tensão do eletrodo, em lugar de ser aumentada, deve ser diminuída. E, a corrente deve ser incrementada em uma proporção superior à prevista por J. Westly ( I = C3 . P2/3 ). Uma discrepância ainda maior em relação à pesquisa de J. Westly é a comprovação de uma forte correlação entre os valores de V e I ideais e o diâmetro dos eletrodos.

Concluímos, com base nos resultados das experiências, que a tensão eletrodo-soleira que promove a posição ideal dos eletrodos em relação à carga é diretamente proporcional ao diâmetro dos eletrodos e inversamente proporcional à raiz quarta da potência ativa: V = J0 . D / P1/4, onde J0 é um fator que depende do tipo de carga e do afastamento entre eletrodos. Quer dizer, a tensão e a corrente que permitem que o eletrodo assuma a posição ideal dependem do diâmetro dos eletrodos e da potência.

Adicionalmente, os resultados da pesquisa sugeriram que a tensão ideal é diretamente proporcional à raiz quadrada do afastamento S ( distância entre centros ) dos eletrodos, chegando-se à fórmula: V = J1 . D . S1/2 / P1/4, na qual J1 = V . P1/4 / D . S1/2 é uma constante para cada material processado.

Com base no anterior, comprova-se a conveniência da utilização de eletrodos de diâmetro elevado ( baixa densidade de corrente, até certo limite ) para possibilitar a operação na posição ideal com tensões mais elevadas e menores correntes, visando maiores rendimentos elétricos ( menor consumo de energia ), menores consumos específicos de eletrodos e, cossenos fi superiores a 0,707 ( menor desvio em relação ao fator J na ocorrência de variações da corrente e da tensão ). Conclui-se, também, que um maior afastamento entre eletrodos permite a utilização de maiores tensões, com as vantagens já mencionadas ( isto deve ter um limite que precisa ser quantificado ), indicando que, dentro de certo entorno, não existe um afastamento ideal e sim uma tensão ideal para cada afastamento.

A fórmula encontrada, quando representada na antiga forma "fator k de Andreae vs densidade de potência" guarda uma forte semelhança com os gráficos realizados por W. M. Kelly, a partir dos anos 40, com o qual se comprova que sessenta anos atrás já se contava com uma excelente ferramenta para definir os parâmetros ideais dos fornos a arco submerso. Faltava apenas desenvolver uma equação que expressasse a correlação entre a tensão ou a corrente ideais e o diâmetro de eletrodos, a separação entre eletrodos e a potência ativa. A partir de 1975, a fórmula I = C3 . P2/3, apesar de equivocada, passou a ser considerada uma verdade absoluta e o conceito do fator k de Andreae, em parte, pela sua dificuldade de aplicação e, em grande parte, pela adoção generalizada do fator C3, tornou-se desacreditado ( ver figura a seguir ).

Comparação fator K com J1 e C3

Os resultados confirmaram a hipótese de que para cada material existe uma taxa de fusão ideal que só pode ser obtida com uma determinada posição do eletrodo, no sentido vertical, em relação à carga de carvão e minério e, que, portanto, para cada material, a altura ideal da zona de reação é única.

TEORIA

A fórmula encontrada ( V = J0 . D / P1/4 ), confirmada pelas experiências, está baseada em princípios teóricos que serão oportunamente apresentados.

UTILIDADE DAS FÓRMULAS ENCONTRADAS

Uma vez encontrados os valores de J1, para cada tipo de material processado é possível definir as alternativas de tensão, corrente, diâmetros e afastamentos de eletrodos que, para determinada potência ativa, promovem a posição ideal do eletrodo. A melhor alternativa poderá ser escolhida com base na relação custo / benefício, uma vez que a solução que permite os menores custos de operação ( mínimos consumos de energia e de eletrodos ) pode ser a de maior investimento.

Em fornos existentes, a fórmula permite definir os melhores valores de tensão e corrente para cada valor de potência ativa desejado.



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